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25 de Abril de 2024

Princípio da Retroatividade Benéfica Penal, nova conjuntura do crime de Estelionato e as consequências legais

Autores:Por Jucinéia Prussak e Maximillian Da Silva Fernandes

Publicado por Jucineia Prussak
há 4 anos


I - O princípio da retroatividade benéfica penal, citando a repercussão na jurisprudência do STJ e STF;

Como regra, a lei contemporânea se aplica aos fatos ocorridos durante sua vigência, teor conhecido como "tempus regitactum", ou seja, o tempo rege o ato. Porém, essa regra suporta exceções, haja vista que o fenômeno da extratividade penal possibilita a retroatividade (aplicação da lei penal mais benéfica a fatos anteriores à sua vigência), bem como a ultratividade (aplicação de uma lei penal benéfica revogada após sua vigência).

Essas premissas e conclusões encontram amparo no texto constitucional da Carta de 1988, que através do seu artigo , inciso XL, inserido no título de garantias fundamentais, expressa, “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

No mesmo contexto, o parágrafo único do artigo , do Código Penal (Decreto Lei nº 2.848/1940), complementa, "a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado", sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar conflito temporal envolvendo a Lei de Drogas, pronunciou-se da seguinte forma em sede de Embargos de Divergência em Recurso Especial:

I - A Constituição Federal reconhece, no art. 5º inciso XL, como garantia fundamental, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. Desse modo, o advento de lei penal mais favorável ao acusado impõe sua imediata aplicação, mesmo após o trânsito em julgado da condenação. Todavia, a verificação da lexmitior, no confronto de leis, é feita in concreto, visto que a norma aparentemente mais benéfica, num determinado caso, pode não ser.

Assim, pode haver, conforme a situação, retroatividade da regra nova ou ultratividade da norma antiga.

(EREsp 1094499 / MG; Terceira Seção; Relator Ministro Felix Fischer), DJe 18/08/2010).

Cabe ressaltar que o conceito de “norma mais benéfica” não é sinônimo de lei que diminui a pena abstrata de delitos, o conceito do referido termo é bem amplo, por isso exige uma análise de caso a caso, pois não obstante, a situação mais benéfica ao réu pode ser verificada diante da possibilidade de aplicação de uma causa de diminuição da pena, uma antecipada progressão de regime, dentre outras medidas a partir da pena in concreto, conforme entendimento sedimentado pelo STF, com Repercussão geral, cujo teor expressou:“O juiz, contudo, deverá, no caso concreto, avaliar qual das mencionadas leis é mais favorável ao réu e aplicá-la em sua integralidade” (RE 600.817, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 7-11-2013, P, DJE de 30-10-2014, Tema 169).

Compete ainda expor que o fenômeno da extratividade não permite a combinação de normas, por tal preceito, deve prevalecer aquela que efetivamente gere mais benefícios ao réu, ainda que resulte em impunibilidade.

II – Retroatividade Penal Mais Benéfica e a nova conjuntura do crime de Estelionato após alteração efetuada pela Lei nº 13.964/2019

Observadas as premissas inerentes à Retroatividade da Norma Penal Mais Benéfica, ressalta que os preceitos do tema somente se aplicam às normas de direito material, estando assim exclusas as normas essencialmente processuais, haja vista que estas são regidas pelo artigo do Código de Processo Penal, que sem distinção, determina a imediata aplicação da norma "desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior".

Porém, não obstante essa divisão, não todas as normas são essencialmente materiais ou processuais, existe também a espécie denominada "norma processual penal material", assim definida em razão da forma como interfere no direito material mesmo possuindo características aparentemente processuais. Sobre o tema,Nucc expressa:

Noutras palavras, a aplicação de determinada norma processual pode afetar, de maneira certeira, o direito de punir do Estado ou alterar o status de liberdade do indivíduo. Nessas hipóteses, não se pode considerá-las meras e singelas normas tutoras de processo, visto representarem virtuais textos de direito penal, embutidos em cenário processual.

Qualquer norma processual penal, que, aplicada, permita o desencadeamento da extinção da punibilidade do agente, instituto de direito penal, conforme se vê do art. 107 do Código Penal, é material. Isto significa que se submete ao rigor do princípio da retroatividade da lei penal benéfica, algo natural e lógico, diante de sua ligação direta com o interesse punitivo estatal.

Essa definição é essencial para compreender a nova sistemática introduzida sob o crime de Estelionato pela Lei nº 13.964/2019, denominada Pacote Anticrime, que apesar de possuir disciplina aparentemente processual, afeta diretamente a maneira de punir do Estado, bem como sua possível extinção, o que pode ser verificado de forma específica na inserção do § 5º, ao art. 171 do Código Penal.

Isso porque, a redação pretérita dodispositivo não distinguia a forma de processamento do mencionado crime, em todas as suas espécies e conjunturas, o crime de Estelionato era processado mediante Ação Penal Pública Incondicionada, conforme regra expressa do art. 100, do Código Penal.

Com a inserção do § 5º ao artigo 171 do Código Penal, o crime de Estelionato passou a ser processado em regra, mediante Ação Penal Pública Condicionada à representação, e excepcionalmente, mediante Ação Penal Incondicionada quando a vítima for a Administração Pública Direta ou Indireta, criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental, possua mais de 70 anos de idade ou seja incapaz.

Diante dessa nova conjuntura, quando não estiver presente alternativamente alguma das hipóteses descritas nos incisos do novo § 5º do artigo 171, a vítima deverá efetuara representação no prazo de seis meses, contados do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, tal como determina o artigo 103 do Código Penal.

Se tratando de crimes cometidos após a entrada em vigor dessa nova redação (praticados após 24 de janeiro de 2020), a inobservância da representação implicaráem decadência (art. 107, inciso IV, do CP), ou seja, resultará na perda do Direito de Punir em desfavor do Estado.

Isso porque aLei nº 13.964/2019 é uma norma processual penal material, haja vista a interferência direta no Direito de Punir do Estado, por tais características deve ter sua essência material observada, com todas as consequências inerentes, dentre as quais, a possibilidade de retroagir para atingir "fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado", tal como prevê o artigo , inciso XL, da CF e o parágrafo único do artigo , do Código Penal.

III. DA APLICAÇÃO PRÁTICA DA LEI MAIS BENÉFICAAOCRIME DE ESTELIONATO

É de bom alvitre esclarecer que o presente tema abordado tem por objetivo, buscar a solução paraa aplicação da Novatio Legisin Mellius do crime de estelionato na prática forense.

Nesse contexto, em tese, teremos problemas que anseiam por soluções, quais sejam, a aplicação da norma mais benéfica aos crimes de Estelionato acobertados pelo trânsito em julgado, bem como aos crimes de Estelionato cujo processamento ainda está em curso.

Essa análise deverá considerar, sobretudo, o artigo , inciso XL da Constituição Federal, inserido no título de garantias fundamentais, cujo teor expressa, “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, a súmula 611 do Supremo Tribunal Federal, que expressa, “compete ao Juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”, além do teordo artigo 66, inciso I, da Lei de Execucoes Penais 7210/84 e do artigo , do Código Penal.

Nos casos cuja punibilidadenão foi extinta, especialmente pelonão cumprimento integral da pena,caberá ao juízo de execuções penais, de ofício, aplicar a novatio legisinmellius, ou seja, o juízo deverá julgar extinta a punibilidadedos agentes processados e condenados em contextos alheios às exceções do § 5º ao artigo 171 do Código Penal, desde que não tenha havido representação da vítima (fato presumido).

Essa é a inteligência do artigo 61 e 107, ambos do Código Penal, combinados com o inciso I, do artigo 66 da Lei de execucoes penais, conforme se verifica:

Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício.

Art. 66. Compete ao Juiz da execução:

I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado;

II - declarar extinta a punibilidade;

art. 107 - Extingue-se a punibilidade

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

No tocante aos processosem curso, pendentede julgamento, seguindo a mesma inteligência dos crimes de estelionato não acobertados pelo trânsito em julgado, o juízo processante deveráreconhecer de ofício a prescrição e/ou decadência nos termos do artigo 61 do Código de Processo Penal(excetuadas hipóteses do § 5º do artigo 171 do Código Penal), se decorridos seis meses desde conhecimento da autoria e não houver sido efetuada a imprescindível representação. Na hipótese de não ter decorrido seis meses, deverá a vítima efetuá-la de ofício ou mediante provocação, sob pena de extinção da punibilidade do autor do delito.

Nas hipóteses em que o juízo tenha que se manifestar de ofício e não o faça, o agente interessado poderá provoca-lo a declarar extinta a punibilidade. Especificamente, quando houver sentença penal condenatória transitada em julgado, nos termos da Súmula 611/STF, o interessado poderá propor Revisão Criminal para destituir a sentença e/ou trânsito em julgado, conforme inteligência doartigo 621 do Código de Processo Penal.

Portanto, sem vinculação e o intuito de esgotar o tema, conclui-se por todo o exposto, que o § 5º do artigo 171 do Código Penal, constitui-se uma "norma processual penal material", e que por tal natureza, sujeita-se à disciplina da extratividade penal mais benéfica, cujo consequências devem ser apuradas caso a caso, com a possibilidade de extinção da punibilidade de crimes de estelionato em curso, ou até mesmo desconstituição de sentenças penais transitadas em julgado, desde que, decorridos seis meses desde o conhecimento da autoria e ausente a representação da vítima, além de não ter sido o delito cometido em contextos excepcionais processados mediante Ação Penal Pública Incondicionada.

Atenciosamente,

Jucinéia Prussak

Advogada

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Maximillian Da Silva Fernandes

Advogado

Página Jusbrasil https://maxysilva3.jusbrasil.com.br/

IV - Bibliografia:

Constituição. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm.Acesso em 03 de junho de 2020.

Decreto Lei. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm.Acesso em 02 de junho de 2020.

Decreto Lei. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.Acesso em 03 de junho de 2020.

Nucci, Guilherme de Souza; Código penal comentado: estudo integrado com processo e execução penal: apresentação esquemática da matéria: jurisprudência atualizada / Guilherme de Souza Nucci. – 14. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.

Nucci, Guilherme de Souza; Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro : Forense, 2015.

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